quarta-feira, 27 de abril de 2011

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.


Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento

e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água

O mesmo que criar peixes no bolso.



O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.



A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.

Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito

porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu que era capaz de ser

noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.



Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor!



A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios com as suas peraltagens

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos



 Manoel de Barros
(1916)