domingo, 15 de abril de 2018

Florbela Espanca







Florbela Espanca (Vila Viçosa , 8 de dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de dezembro de 1930), batizada como Flor Bela Lobo, e que opta por se autonomear Florbela d'Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa portuguesa. A sua vida, de apenas trinta e seis anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização, feminilidade e panteísmo. Há uma biblioteca com o seu nome em Matosinhos.


Florbela Espanca

Biografia

Filha de Antónia da Conceição Lobo e do republicano João Maria Espanca (1866-1954), nasceu no dia 8 de dezembro de 1894 em Vila Viçosa, no Alentejo. O seu pai foi sobretudo um antiquário e um fotógrafo, tendo também ganho a vida com outras atividades como a de projeção de filmes. De facto, foi um dos introdutores do "Vitascópio de Edison" em Portugal.
O seu pai era casado com Mariana do Carmo Inglesa Toscano, que era estéril, sendo filho de José Maria Espanca (1830-1883) e Joana Fortunata Pires Espanca (1830-1917). Com a autorização da mulher, João Maria relacionou-se com a camponesa Antónia da Conceição Lobo, filha de pais incógnitos, criada de servir, mulher bela e vistosa, e assim nasceram Florbela e, três anos depois, Apeles, em 10 de março de 1897, ambos registados como filhos de Antónia e pai incógnito. João Maria Espanca criou-os na sua casa, e, apesar de Mariana ter passado a ser madrinha de batismo dos dois, João Maria só reconheceu Florbela como a sua filha em cartório 18 anos após a morte desta.
Entre 1899 e 1908, Florbela Espanca frequentou a escola primária em Vila Viçosa. Foi naquele tempo que passou a assinar os seus textos Flor d’Alma da Conceição. As suas primeiras composições poéticas datam dos anos 1903 - 1904: o poema "A Vida e a Morte", o soneto em redondilha maior em homenagem ao irmão Apeles e um poema escrito por ocasião do aniversário do pai "No dia d'anos", com a seguinte dedicatória: «Ofereço estes versos ao meu querido papá da minha alma» . Em 1907, Espanca escreveu o seu primeiro conto: "Mamã!" No ano seguinte, faleceu a sua mãe, Antónia, com apenas vinte e nove anos, vítima de nevrose.
Espanca ingressou então no Liceu Nacional de Évora, onde permaneceu até 1912. Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar um curso liceal. Durante os seus estudos no Liceu, Espanca requisitou diversos livros na Biblioteca Pública de Évora, aproveitando então para ler obras de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Garrett. Quando ocorreu a revolução de 5 de Outubro de 1910, Espanca está há dois dias com a família na capital, no Francfort Hotel Rossio, mas não se conhecem comentários seus à sua vivência deste dia.

Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola. O casal morou primeiro em Redondo. Em 1915 instalou-se na casa dos Espanca em Évora, por causa das dificuldades financeiras.
Em 1916, de volta a Redondo, a poetisa reuniu uma seleção da sua produção poética desde 1915, inaugurando assim o projeto Trocando Olhares. A coletânea de oitenta e cinco poemas e três contos serviu-lhe mais tarde como ponto de partida para futuras publicações. Na época, as primeiras tentativas de promover as suas poesias falharam.
No mesmo ano, Espanca iniciou-se como jornalista em Modas & Bordados (suplemento de O Século de Lisboa), em Notícias de Évora e em A Voz Pública, também eborense. A poetisa regressou de novo a esta cidade em 1917. Completou o 11º ano do Curso Complementar de Letras e matriculou-se na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi uma das catorze mulheres entre trezentos e quarenta e sete alunos inscritos. Aí teve como colegas de curso os escritores e poetas Américo Durão e Mário Beirão.
Um ano mais tarde a escritora sofreu as consequências de um aborto involuntário, que lhe teria infetado os ovários e os pulmões.[Repousou em Quelfes (Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.
Em 1919 saiu a sua primeira obra, Livro de Mágoas, um livro de sonetos. A tiragem (duzentos exemplares) esgotou-se rapidamente. Um ano mais tarde, sendo ainda casada, a escritora passou a viver com António José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana.
Em meados do 1920 interrompeu os estudos na faculdade de Direito. Em 29 de Junho de 1921 pôde finalmente casar-se com António Guimarães. O casal passou a residir no Porto, mas, no ano seguinte, transferiu-se para Lisboa, onde Guimarães se tornou chefe de gabinete do Ministro do Exército. Neste ano o seu pai divorcia-se de Mariana, casando no ano seguinte com Henriqueta de Almeida.
Em 1922, a 1 de Agosto, a recém fundada Seara Nova publicou o seu soneto "Prince charmant…", dedicado a Raul Proença. Em Janeiro de 1923 veio a lume a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade, edição paga pelo pai da poetisa. Para sobreviver, Espanca começou a dar aulas particulares de português.
Em 1925, divorciou-se pela segunda vez. Esta situação abalou-a muito. O seu ex-marido, António Guimarães, abriu mais tarde uma agência, "Recortes", que colecionava notas e artigos sobre vários autores. O seu espólio pessoal reúne o mais abundante material que foi publicado sobre Espanca, desde 1945 até 1981. Ao todo são 133 recortes. Ainda em 1925, a poetisa casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a partir de 1926. Em dezembro de 1925 falece também a "madrasta" e madrinha de Florbela, que lhe lega vários bens.
Em 1927 a autora principiou a sua colaboração no jornal D. Nuno de Vila Viçosa, dirigido por José Emídio Amaro. Naquele tempo não encontrava editor para a coletânea Charneca em Flor. Preparava também um volume de contos, provavelmente O Dominó Preto, publicado postumamente apenas em 1982. Começou a traduzir romances para as editoras Civilização e Figueirinhas do Porto. No mesmo ano, em 6 de junho, Apeles Espanca, o irmão da escritora, de apenas 30 anos, faleceu num trágico acidente de avião, perto de Belém. A sua morte foi devastadora para Espanca. Em homenagem ao irmão, Espanca escreveu o conjunto de contos de As Máscaras do Destino, volume publicado postumamente em 1931. Entretanto, a sua doença mental agravou-se bastante. Em 1928 ela teria tentado o suicídio pela primeira vez.
Em 1930 Espanca começou a escrever o seu Diário do Último Ano, publicado só em 1981. A 18 de Junho principiou a correspondência com Guido Battelli, professor italiano, visitante na Universidade de Coimbra, responsável pela publicação da Charneca em Flor em 1931. Na altura, a poetisa colaborou também no Portugal feminino de Lisboa, na revista Civilização e no Primeiro de Janeiro, ambos do Porto.
Espanca tentou o suicídio por duas vezes mais em outubro e novembro de 1930, na véspera da publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor.  Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu definitivamente a vontade de viver. Não resistiu à terceira tentativa do suicídio. Faleceu em Matosinhos, no dia do seu 36º aniversário, a 8 de dezembro de 1930. A causa da morte foi a overdose de barbitúricos. A poetisa teria deixado uma carta confidencial com as suas últimas disposições, entre elas, o pedido de colocar no seu caixão os restos do avião pilotado por Apeles quando sofreu o acidente. O corpo dela jaz, desde 17 de maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, a sua terra natal.
Leia-se a quadra desse "admirável soneto que é o seu voo quebrado e que principia assim":
Não tenhas medo, não! Tranquilamente,//Como adormece a noite pelo outono,//Fecha os olhos, simples, docemente,//Como à tarde uma pomba que tem sono…
Em 1949 a Câmara Municipal de Lisboa homenageou a poetisa dando o seu nome a uma rua junto à Avenida da Igreja, em Alvalade.

Obra

Autora polifacetada: escreveu poesia, contos, um diário e epístolas; traduziu vários romances e colaborou ao longo da sua vida em revistas e jornais de diversa índole, Florbela Espanca antes de tudo é poetisa. É à sua poesia, quase sempre em forma de soneto, que ela deve a fama e o reconhecimento. A temática abordada é principalmente amorosa. O que preocupa mais a autora é o amor e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte. A sua obra abrange também poemas de sentido patriótico, inclusive alguns em que é visível o seu patriotismo local: o soneto "No meu Alentejo" é uma glorificação da terra natal da autora.
Somente duas antologias, Livro de Mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923), foram publicadas em vida da poetisa. Outras, Charneca em Flor (1931), Juvenília (1931) e Reliquiae (1934) saíram só após o seu falecimento. Toda a obra poética de Espanca foi reunida por Guido Battelli num volume chamado Sonetos Completos, publicado pela primeira vez em 1934. Em 1978 tinham saído 23 edições do livro. As peças anteriores às primeiras publicações da poetisa foram coligidas pela primeira vez por Rui Guedes nas OBRAS COMPLETAS DE FLORBELA ESPANCA – 8 volumes, recolha, leitura e notas Rui Guedes; prefácio de José Carlos Seabra Pereira, em Lisboa, Dom Quixote, 1985-1986. Mais tarde, em 1994, Mária Lúcia Dal Farra, editou o volume que incluía também esses primeiros textos , em Trocando Olhares.
A prosa de Espanca exprime-se através do conto (em que domina a figura do irmão da poetisa), de um diário, que antecede a sua morte, e em cartas várias. Algumas peças da sua correspondência são de natureza familiar, outras tratam de questões relacionadas com a sua produção literária, quer num sentido interrogativo quanto à sua qualidade, quer quanto a aspetos mais práticos, como a sua publicação. Nas diferentes manifestações epistolares sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa - naturalidade e simplicidade.
António José Saraiva e Óscar Lopes na sua História da Literatura Portuguesa descrevem Florbela Espanca como sonetista de "laivos anterianos" e semelhante a António Nobre. Admitem que foi "uma das mais notáveis personalidades líricas isoladas, pela intensidade de um emotivo erotismo feminino, sem precedentes entre nós [portugueses], com tonalidades ora egoístas ora de uma sublimada abnegação que ainda lembra Sóror Mariana, ora de uma expansão de amor intenso e instável(…)".
A obra de Espanca "precede de longe e estimula um mais recente movimento de emancipação literária da mulher, exprimindo nos seus acentos mais patéticos a imensa frustração feminina das (…) opressivas tradições patriarcais."
Rolando Galvão, autor de um artigo sobre Florbela Espanca publicado na página eletrónica Vidas Lusófonas, caracteriza assim a obra florbeliana:
"Como dizem vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Inserida no seu mundo pequeno burguês, como evidencia nos vários retratos que de si faz ao longo dos seus escritos. Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Diz-se conservadora. (…) O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos. Sedenta de glória, diz Henrique Lopes de Mendonça, transcrito por Carlos Sombrio.
Na sua escrita há um certo número de palavras em que insiste incessantemente. Antes de mais, o EU, presente, dir-se-á, em quase todas as peças poéticas. Largamente repetidos vocábulos reflexos da paixão: alma, amor, saudade, beijos, versos, poeta, e vários outros, e os que deles derivam. Escritos de âmbito para além dos que caracterizam essa paixão não são abundantes, particularmente na obra poética. Salvo no que se refere ao seu Alentejo. Não se coloca como observadora distante, mesmo quando tal parece, exterior a factos, ideias, acontecimentos."
O autor do artigo lembra também a correspondência da poetisa com o irmão, Apeles, e com uma amiga próxima, que apenas viu em retrato. Repara que os excessos verbais da escritora são provocados pela sua imoderação para exprimir uma paixão. A sua exaltação do amor fraternal é considerada fora do comum. Galvão repara que esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são na obra florbeliana uma constante.

Bibliografia ativa

Poesia

  • 1919 Livro de Mágoas. Lisboa: Tipografia Maurício.
  • 1923 Livro de Sóror Saudade. Lisboa: Tipografia A Americana.
  • 1931 Charneca em Flor. Coimbra: Livraria Gonçalves.
  • 1931 Juvenília: versos inéditos de Florbela Espanca (com 28 sonetos inéditos). Estudo crítico de Guido Battelli. Coimbra: Livraria Gonçalves.
  • 1934 Sonetos Completos (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae). Coimbra: Livraria Gonçalves.

Prosa

  • 1931 As Máscaras do Destino. Porto: Editora Marânus.
  • 1981 Diário do Último Ano. Prefácio de Natália Correia. Lisboa: Livraria Bertrand.
  • 1982 O Dominó Preto. Prefácio de Y. K. Centeno. Lisboa: Livraria Bertrand.

Coletâneas

  • 1985/86 Obras Completas de Florbela Espanca. 8 vols. Edição de Rui Guedes. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
  • 1994 Trocando Olhares. Estudo introdutório, estabelecimento de textos e notas de Maria Lúcia Dal Farra. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda.

Epistolografia

  • 1931 Cartas de Florbela Espanca (A Dona Júlia Alves e a Guido Battelli). Coimbra: Livraria Gonçalves.
  • 1949 Cartas de Florbela Espanca. Prefácio de Azinhal Abelho e José Emídio Amaro. Lisboa: Edição dos Autores.

Traduções

  • 1926 Ilha azul, de Georges Thiery. Figueirinhas do Porto.
  • ____ O segredo do marido, de M. Maryan. Biblioteca das Famílias.
  • 1927 O segredo de Solange, de M. Maryan. Biblioteca das Famílias.
  • ____ Dona Quichota, de Georges de Peyrebrune. Biblioteca do Lar.
  • ____ O romance da felicidade, de Jean Rameau Biblioteca do Lar.
  • ____ O castelo dos noivos, de Claude Saint-Jean
  • ____ Dois noivados, de Champol. Biblioteca do Lar.
  • ____ O canto do cuco, de Jean Thiery. Biblioteca do Lar.
  • 1929 Mademoiselle de la Ferté (romance da actualidade) de Pierre Benoit. Série Amarela.
  • 1932 Máxima (romance da actualidade, de A. Palácio Váldes. Coleção de Hoje.)

Algumas reedições

  • ESPANCA, Florbela. Poemas de Florbela Espanca. Edição preparada pó Maria Lúcia Dal Farra. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • ____. Sonetos Completos. 7ª ed. Prefácio de José Régio. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1946.
  • ____. As Máscaras do Destino. 4ª ed. Prefácio de Agustina Besa Luís. Amadora: Bertrand Editora, 1982.
  • ____. Contos Completos. 2ª ed. Venda Nova: Bertrand Editora, 1995.
  • ____. Obras Completas de Florbela Espanca, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1992.
  • ____. Obras Completas – Poesia (1903 - 1917). Coleção Obras Completas de Florbela Espanca. Vol. I. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1985.
  • ____. Poesia Completa. Prefácio, organização e notas de Rui Guedes. Coleção Autores de Língua Portuguesa – Poesia. Venda Nova: Bertrand Editora,1994.
  • ____. Sonetos. Prefácio de José Régio. Lisboa: Bertrand Editora, 1982.

Fonte:pt.wikipedia.org